
Em tradução livre, cool hunting significa caçar o que é legal. O conceito surgido no início dos anos 1990 se popularizou principalmente no mundo da moda, mas sua aplicação vai além e contribui para definir um perfil profissional cada vez mais necessário: num mundo onde a informação está amplamente disponível, o caçador do que é legal, ou cool hunter, saberá identificar o que é relevante do que é descartável , quais tendências de comportamento terão força para impactar perfis de consumo e quais recados dados pela sociedade fazem sentido explorar como marca.
Há 20 anos atuando como caçadora de tendências, ou cool hunter, sendo uma das pioneiras no Brasil, Sabina Deweik foi a palestrante da mais recente reunião-almoço da CIC de Caxias do Sul. Convidada a instigar o empresariado caxiense a partir do cool hunting, Patrícia resumiu assim o papel do profissional especializado, ou que se alinha a este conceito:

– Em diferentes campos, como medicina, design, moda, tecnologia, a sociedade vai emitindo diferentes sinais que, ao analisá-los, conseguimos ver certos padrões de recorrência que permitem inferir quando vão virar tendência e impactar coletivamente a sociedade. É papel do cool hunter (quem pratica o cool hunter) saber ler esses sinais e inferir o que vai impactar os nossos mercados e nossa sociedade.
Consultora estratégica de estilo fashion, a caxiense Cecília Seibel pratica o método com viagens anuais para algumas das principais capitais da moda no mundo, como Milão e Paris. Nessas idas a campo, observa vitrines das lojas que são referências neste mercado,

– O cool hunting oferece a chave para fazer produtos que irão ser validados pelo seu cliente e irão criar fidelidade para a marca dele, porque tu, como cool hunter, entendes o que está acontecendo e consegues oferecer o que ele precisa naquele momento. Porque é óbvio que não vai estar escrito na vitrine de uma marca que ela está fazendo isso ou aquilo e com que intenção. Depende de compreensão e leitura, da capacidade de compreender que ali tem uma história sendo contada, que a pessoa que criou aquilo tem uma intenção e tu irás conseguir decodificar pela tua bagagem de referências. Porque o que aconteceu no ado vai sempre se replicar – exemplifica.
O grande salto até a geração Z
Como professora do curso de Bacharelado em Moda da UCS, Cecília também estimula seus alunos a desenvolver o espírito de caçadores de tendências de comportamento. A pesquisadora, pontua, porém, que há uma diferença significativa entre o cool hunting anterior à popularização da internet e o que é praticado pela chamada geração Z.
– Antes era preciso mais viagem, mais leitura, mais cultura. Eu criei minha visão de moda, de entendimento do que é esteticamente adequado ou não, na universidade. O Tik Tok mudou tudo. Dentro da geração Z a coisa bomba de um jeito que dá noite pro dia vira uma loucura
– Quando eu comecei a trabalhar com moda, era comum a gente fazer duas viagens por ano, que duravam um mês e avam por seis cidades europeias, eventualmente também Nova York. Porque não tinha internet e as revistas de tendências chegavam dois meses depois. Então, isso sim era um cool hunter, que tinha de caminhar incansavelmente para tentar entender o que estava acontecendo. Com a facilidade de o de informação, o papel do cool hunter mudou. Ele tem de entender o que vem de novo e fazer uma seleção daquilo que é importante diante do excesso de tudo. Hoje, meu principal papel é mostrar para o meu cliente o que ele deve fazer porque ele já não sabe mais, diante de tanta informação.

Em uma das principais empresas do setor da moda da região, a malharia Biamar, ir atrás de tendências comportamentais é levado a sério. Gerente de criatividade e comunicação, Suélen Biazoli é uma das responsáveis por buscar identificar, especialmente em feiras internacionais, aquilo que irá chegar ao Brasil como tendência. Suélen estabelece três pilares para o cool hunting dentro da Biamar:
– A observação de campo é um pilar importante para nós, que são as viagens para realizar pesquisas em lojas e feiras de moda, mas também em eventos de outros setores, como feiras de móveis e revestimentos, por exemplo. Porque a gente vai beber em diversas fontes de lifestyle (estilo de vida), não apenas no vestir, que irão nos ajudar a compreender as tendências que iremos trazer para a Biamar. Também são pilares importantes as pesquisas feitas com os clientes lojistas, que irão fornecer informações sobre o seu consumidor final, e, claro, a internet. Porque toda a quantidade de informação que está na nossa mão, além de portais de pesquisa específicos que assinamos, nos permite caçar tendências diariamente no mundo virtual.
É na rua que nascem as tendências

Atualmente em Paris para uma missão de cool hunting, a estilista e professora de moda autoral graduada pela UCS Júlia Piccoli traz exemplos como que em tempo real de algo que identifica ao pesquisar comportamentos que podem virar tendências de consumo. No momento em que atendeu a reportagem, estava em um parque onde também estavam grupos de idosos e de jovens:
– Vejo este grupo de idosos fazendo um piquenique e um grupo de jovens em outro lugar do parque. Seria normal alguém olhar apenas para os jovens, como um público que irá lançar as novas tendências, e deixar de olhar para o grupo da terceira idade que é quem tem mais dinheiro, que está vivendo mais e consumindo mais. É na rua que vão nascer as tendências comportamentais, e observar grupos ajuda muito, porque ao mesmo tempo que ninguém quer ser igual a todo mundo, todo mundo quer se sentir inserido.
Júlia explica ainda que existe uma diferença entre uma tendência comportamental, que costuma durar entre cinco e 10 anos, e uma de moda, que dura poucos meses após uma estreia na arela. Por isso ,as marcas sentem a necessidade de identificar tendências de comportamento de consumo com antecedência, para poder "surfar" na onda ageira:
– Um exemplo é a questão do minimalismo. Ele não começou na roupa, mas sim como um comportamento emergente. As pessoas começaram a consumir menos. A pensar mais antes de comprar e comprar coisas melhores e mais caras, mas que irão durar mais. Isso começou pensando no tipo de pessoa que ela queria ser, de querer ter o mínimo possível, e aí isso começa a refletir na alimentação, na casa, na decoração, na roupa, no carro. O resultado final para o indivíduo é o consumo, mas antes tem o porquê. A gente está sempre procurando esse porquê, e o profissional que faz isso precisa entregar o mais mastigado possível para a empresa onde ele trabalha ou a quem ele atende.
Também na publicidade, se antecipar é preciso

Publicitária formada pela UCS, a caxiense Caroline Panizzon buscou a especialização em cool hunting ao avaliar que o conceito a ajudaria a desenvolver uma melhor visão estratégica para atender os clientes a quem presta serviços de planejamento de comunicação e de criação de conteúdo criativo.
O período pós-pandêmico, que fez aumentar a oferta de cursos online, a fez encontrar a especialização que procurava, numa época que ainda trabalhava com clientes mais voltados para o setor da moda. Atualmente, atendendo marcas do ramo gastronômico na agência onde trabalha, Caroline avalia que o olhar treinado de cool hunter é um diferencial na sua prestação de serviço de planejamento:
– Fazer a análise e ter a percepção de como as coisas acontecem, de como o comportamento irá determinar ou influenciar um grupo maior de pessoas ou uma comunidade. O cool hunting sempre me acompanha na hora que o cliente vai lançar um produto novo, quando ele quer saber de deve entrar ou não numa trend (algo que está viralizando na internet), se é legal ou não ele ter determinado tipo de exposição.
Caroline comenta ainda que o trabalho realizado com mais ênfase nas redes sociais exige que ela esteja sempre atenta ao que os concorrentes estão fazendo, assim como as marcas que servem de inspiração. Neste contexto, é importante diferenciar o que é retrato de momento do que é um indicativo de tendência:
– Quando a gente busca qual música está sendo mais usada, que tipo de humor está gerando mais engajamento, é importante entender que a marca não precisa caber em tudo para ter mais visualização, porque nem tudo faz sentido quando a gente pensa em comunicar. No estudo e na prática do cool hunting a gente entende que a tendência é muito maior do que a trend, que é apenas o retrato de um momento.