
adas quase duas décadas de sua estreia, um clássico do cinema brasileiro volta às telonas neste mês de maio. Gravado na Serra gaúcha, Saneamento Básico, O Filme será relançado nas principais salas de exibição do país no próximo dia 29, com restauração de imagens em 4K – despertando memórias afetivas nos moradores da região. Isso porque o longa-metragem dirigido pelo premiado cineasta Jorge Furtado foi filmado nos municípios de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul e Santa Tereza.
O ano era 2006 e a produção contava com um elenco estrelado por nomes como Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Lázaro Ramos, Tonico Pereira e Paulo José. E tinha ainda as paisagens serranas como pano de fundo para contar a história de uma pequena comunidade de descendentes de italianos no sul do Brasil, onde problemas de saneamento eram frequentes.
A solução? Utilizar recursos públicos que estavam destinados para a produção de um filme, revertendo a verba para a construção de uma fossa comunitária. Então, mais do que realizar um filme enfatizando um problema social como a falta de saneamento, Jorge Frutado questionava até a utilização de recursos públicos para fazer cinema.
— Na época, perguntei a mim mesmo se um país onde grande parte das casas não tem saneamento básico tem o direito de usar dinheiro público para fazer cinema. A resposta do filme é que sim, claro que sim, porque uma sociedade tem que crescer em todas as áreas igualmente. A cultura é fundamental para a sobrevivência, para a existência de qualquer nação. Sem cultura, a vida nem vale a pena — ressalta.

O relançamento do filme, aliás, retoma essa discussão e reforça a escolha da Serra gaúcha como local ideal, na visão do diretor, para dar visibilidade ao tema de uma forma leve e descontraída.
— É um filme atemporal e que tem um elenco espetacular. A escolha da região foi meio natural, pois é um cenário lindo para enquadrar, para fotografar, em todos os sentidos. Então, pensei direto em fazer o filme aí. E outra coisa foi que a Comédia dell 'Arte (inspiração para o filme) é um gênero teatral que se desenvolveu muito na Itália. Só podia ser na Serra — destaca.
Lembranças do filme permanecem na memória
Em meio a um elenco repleto de estrelas, figuravam personagens até então desconhecidos. Muitas pessoas da região participaram das gravações, e guardam até hoje os momentos únicos vividos na época.
O trio Alvaro, Mara e Juliano, de Monte Belo do Sul, participou das gravações fazendo parte do coral Primo Canto, criado especialmente para entrar em cena no filme.
— O Primo Canto surgiu porque, em determinado momento, tinha que ser cantada a Canção da meia-noite (de Kleiton & Kledir). Então, nós reunimos pessoas da região e fizemos os nossos ensaios onde é a Prefeitura de Monte Belo. Quem coordenou tudo foi o Léo (Henkin), que era o guitarrista do Papas da Língua. Foi bem bacana a experiência — conta Alvaro Manzoni.
Ele, que era Secretário Municipal de Cultura e Turismo na época, foi um dos primeiros a intermediar os contatos iniciais com a Casa de Cinema de Porto Alegre, que coordenou a pesquisa dos locais de gravação e a produção do filme.
— Em um determinado dia, recebi uma ligação da Casa de Cinema solicitando uma locação no interior, onde eles pudessem gravar um filme. Na época, a visitamos alguns locais, e eles consideraram a comunidade Nossa Senhora da Saúde, que é a Linha Cristal no filme, o lugar mais adequado para representar essa cidade interiorana que seria o cenário da produção.
Essa conversa inicial se deu com Silvana Pätzinger, produtora da Casa de Cinema. Natural de São Francisco de Paula, Silvana conhecia a Serra e logo iniciou as buscas pela região de Bento Gonçalves.
— Procuramos muito e achamos esses lugares maravilhosos, tanto pelo acolhimento das pessoas quanto pelas belezas naturais, já que parece que tu estás na Itália. Todos ficaram impactados com a semelhança europeia e com a hospitalidade do povo — conta.

Foram três meses de pesquisa, iniciados em fevereiro de 2006, em um processo total que durou cerca de seis meses até a entrega final. Mais de 150 pessoas participaram da produção.
— Espero que o relançamento do filme impacte novamente, assim como ele já impactou na época. Foi uma produção incrível, com atores sensacionais, como o nosso querido Paulo José, que já estava com Parkinson e nos deu, como sempre, um banho de educação e resiliência. Na época, o Jorge (Furtado) queria muito que todos se divertissem fazendo o que a gente ama, que é cinema.
Da moto à máquina fotográfica: elementos que marcaram a produção
Por trás de cada detalhe de um filme há uma história. Na trama, a motocicleta de Joaquim, personagem interpretado por Wagner Moura, foi fundamental para o desenrolar do enredo, já que foi a partir da venda dela que o curta sobre "o monstro da fossa" pôde ser editado e finalizado.
Fabricado na Tchecoslováquia em 1950, o modelo JAWA é de César Augusto Prezzi, morador de Santa Tereza. Comprada há cerca de 25 anos, a moto entrou em cena no momento em que Joaquim se desloca até a oficina, onde a entrega para ser vendida. Atualmente, o prédio não existe mais. Foi levado pela enchente que atingiu o município em setembro de 2023. Porém, as memórias seguem vivas e podem ser revisitadas assistindo ao filme.

— Eu havia participado das gravações de Histórias Extraordinárias, produzido pelo Boca Migotto (e exibido pela RBS TV). Então alguém de lá me indicou para ceder a moto para o filme. Lembro que foi uma novela durante a produção, porque eles fizeram aquele percurso entre Monte Belo e Santa Tereza, desciam e subiam com a moto. Como ela tem apenas três marchas, o mecânico tinha que ir junto para o Wagner Moura poder ligar ela e andar — relembra Prezzi.

A busca por figurantes e equipamentos também levou o fotógrafo Idovino Merlo, de Bento Gonçalves, a participar da produção. Em uma das cenas, ele utilizou uma câmera analógica Nikon FM2 para acompanhar o prefeito da cidade fictícia durante a inauguração de uma obra. Além disso, Merlo emprestou um gravador para outra figurante simular a presença de uma jornalista durante o ato.
— Eu recebi uma ligação na época da Secretaria de Cultura e Turismo de Monte Belo e me disseram que precisaria de um figurante fotógrafo para a gravação do filme. Na cena que eu participei tinha o Tonico Ferreira. Era figuração, mas o equipamento era verdadeiro. Momentos esses que sempre vão ficar na memória — relata.

Programe-se para (re)assistir nas telonas
O relançamento do filme faz parte da celebração dos 15 anos da Sessão Vitrine Petrobras, da Vitrine Filmes, uma distribuidora de cinema independente que promove o audiovisual brasileiro e latino-americano. O longa Saneamento Básico será exibido em sessões conjuntas com Ilha das Flores, ambos de Jorge Furtado, com cópias restauradas em 4K.
Mais de 30 cidades brasileiras devem receber sessões com as produções de Furtado. No Rio Grande do Sul, a capital Porto Alegre terá como pontos de exibição o CineBancários, a Cinemateca Capitólio e a Cinemateca Paulo Amorim. Já Caxias do Sul contará com exibições na Sala Ulysses Geremia, no Centro de Cultura Ordovás.
Veja o trailer oficial do filme: