Desde a minha infância, maio é considerado o mês de celebração das mães, noivas e casamentos. Contudo, desde o ano ado, o Rio Grande do Sul encara este período sob outra perspectiva, marcada pela devastadora enchente, considerada a maior tragédia ambiental da história do Estado.
Nós, veterinários, jamais imaginaríamos, nem nos prognósticos mais pessimistas, vivenciar um cenário como este em nossa atuação profissional. Voluntários se mobilizaram e percorreram a cidade, buscando sobreviventes em telhados e sacadas. Muitos não hesitaram até resgatarem o maior número possível de animais abandonados durante a enchente. A solidariedade se manifestou de forma eficiente nesse momento tão desafiador para os gaúchos.
Lamentavelmente, muitos animais não escaparam da tragédia: alguns estavam acorrentados, outros trancados em residências, e tantos foram abandonados à própria sorte; infelizmente, milhares não tiveram a oportunidade de um resgate. Contudo, houve aqueles que sobreviveram em meio a tantas adversidades.
A cadelinha Nala foi uma das sortudas a ter sua vida salva durante os resgates em Porto Alegre. Ela chegou na madrugada de 8 de maio ao abrigo erguido no estacionamento do Shopping Iguatemi após ter sido salva no bairro Humaitá. Devido à gravidade de seu estado de saúde, necessitou de uma delicada intervenção cirúrgica. Durante o tratamento – que incluiu o combate à erliquiose (doença do carrapato), cinomose, sarna e cálculos renais –, ela ou por três abrigos e duas clínicas veterinárias
À espera da adoção
Nala pôde contar com uma segunda chance graças a uma rede de cooperação que culminou com a futura bióloga Daniella Mendes Neis, que adotou a cachorrinha sobrevivente da enchente no final de junho. Assim como Nala, outros animais encontraram um novo lar após a tragédia no Estado. No entanto, ainda há aqueles que aguardam, um ano depois, em abrigos de Porto Alegre e da Região Metropolitana.
Em Canoas, o abrigo Palmira Gobbi, que chegou a acolher até 2.500 animais, abriga hoje 75 sobreviventes à espera de um lar. Em Viamão e Guaíba, cães e gatos permanecem sob os cuidados de diversas ONGs e entidades, que se empenham em mantê-los vivos até encontrarem um lar responsável e afetuoso.
É possível que maio tenha ganhado uma tonalidade sombria em nossa memória. Contudo, também se revelou o mês em que aprendemos a lidar, ainda que de maneira urgente, com a reconstrução após um colapso. Uma capacidade que se mostra crucial ao enfrentar situações caóticas e inéditas. Talvez nossas ações não tenham mudado o mundo, mas isso pode ser apenas uma questão de tempo.
Daisy Vivian é diplomada pela UFRGS em Medicina Veterinária e Jornalismo. É autora dos livros "Cães e Gatos Sabem Ajudar Seus Donos" e "Olhe-me nos Olhos e Saiba Quem Você É", histórias reais sobre pessoas e seus animais de estimação.