
Prestes a disputar o título da NBA com o Oklahoma City Thunder, a partir de quinta-feira (5), o Indiana Pacers esteve envolvido na última grande briga em quadra da liga norte-americana de basquete. A confusão foi tema de um episódio da série documental Untold, da Netflix.
Malice at the Palace (2021) — que no Brasil ganhou o simplório título de Briga na NBA — reconstitui o antes e o depois do incidente no jogo entre Detroit Pistons e Indiana Pacers realizado no dia 19 de novembro de 2004. A troca de agressões não ficou restrita aos atletas: torcedores do Pistons, mandante da partida no ginásio Auburn Palace, também partiram para o confronto físico, além de atirarem objetos e líquidos nos jogadores do Pacers.
Desenvolvida pelos mesmos criadores de Wild Wild Country (2018), Chapman Way e Maclain Way, Untold foca em histórias controversas e personagens marcantes do esporte. O documentário sobre a briga de 2004 começa pela formação, no Pacers, de um time talentoso mas temperamental. Ao craque veterano Reggie Miller, que pela seleção dos Estados Unidos havia sido campeão mundial em 1994 e olímpico em 1996, quase trintão, juntaram-se nomes como Jermaine O'Neal (26 anos no dia da briga), Stephen Jackson (também com 26) e Ron Artest (prestes a completar 25).

O episódio de Untold apresenta cenas inéditas da confusão no Palace. E, pela primeira vez na vida, O'Neal, Jackson e Artest (apresentado no documentário como Metta World Peace, agora rebatizado como Metta Sandiford-Artest) revelam detalhes sobre a briga e sobre a rivalidade com os Pistons.
Embora o foco dos 69 minutos de duração recaia sobre os bastidores do conflito, o diretor Floyd Russ (do premiado curta documental Zion, de 2018, também disponível na Netflix) não deixa de mostrar a repercussão junto à imprensa da época, claramente — o duplo sentido é proposital — inclinada a tratar os jogadores envolvidos, todos negros, com uma palavra que, nos Estados Unidos, tem conotação racista: thugs (bandidos).
Trechos de programas de TV recuperam falas como a do jornalista Bob Costas: "Muitos jogadores nesta liga revelam uma espécie de mentalidade bandida". O ex-âncora esportivo Keith Olbermann rotulou os atletas como "aspirantes a gângster". Outro membro da mídia maciçamente branca disse que os negros da NBA "não sabem como agir em uma sociedade civilizada e normal".
Em entrevista atual, Jermaine O'Neal aponta:
— Jogadores de hóquei no gelo (brancos na esmagadora maioria) batem uns nos outros o tempo todo, mas não são chamados de thugs.
A hipocrisia e a política de dois pesos, duas medidas também foram adotadas pela própria NBA (aliás, uma curiosidade: o árbitro da partida entre Pistons e Pacers era Tim Donaghy, que menos de três anos depois renunciou a seu cargo por causa de uma investigação do FBI: segundo a polícia federal estadunidense, ele apostou em jogos que havia apitado e nos quais havia interferido de forma decisiva).
A liga era então comandada por David Stern — um homem branco, vale dizer. Sozinho, ele impôs longas suspensões a atletas (o que resultou em uma perda total de US$ 11 milhões em salários). Mas fez vista grossa aos torcedores que inflamaram a violência — alguns até desceram das arquibancadas para provocar Ron Artest, por exemplo. É a lei do dinheiro: para a entidade, não interessava punir os brigões que compram ingressos para toda a temporada.
E as sanções aplicadas por Stern incluíram um espantoso código de vestimenta em pré-jogos, entrevistas coletivas e eventos afins. aram a ser proibidos, por exemplo, camisetas regatas, bermudas, bandanas, gorros, bonés, correntes, pingentes, medalhões e óculos escuros em ambientes fechados. Ou seja, órios associados ao rap e ao hip hop. O "dress code" da NBA cerceou a expressão cultural dos jogadores negros. Nunca é só um jogo, como diz o chavão.
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