Levantamento mais recente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul) indica que as dívidas dos agricultores gaúchos somam R$ 72,81 bilhões. A cifra considera valores já renegociados anteriormente (R$ 22,28 bilhões) e os não renegociados, que venceram ou estão por vencer em 2025 (R$ 50,53 bilhões).
Mais que o montante em si, preocupa o perfil de produtores endividados. A maior parte (R$ 32,04 bilhões) se refere a crédito tomado pelos chamados "demais produtores", ou seja, que não se encaixam no Pronaf (R$ 24,36 bilhões) e nem no Pronamp (R$ 16,41 bilhões), que são programas de fomento à atividade. São agricultores sem o a recursos subsidiados, e, portanto, mais suscetíveis ao rombo financeiro gerado pelo acúmulo de dívidas.
— Esse é o grande gargalo, pois os demais produtores, majoritariamente, contraem recursos livres a juros de 2% a 3% ao mês. As prorrogações têm efeito limitado nesse público — alerta o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz.
Conforme o levantamento, as perdas na produção agrícola do RS entre 2020 e 2024 totalizam 50 milhões de toneladas de grãos, o que representa um prejuízo direto de R$ 106,6 bilhões para os produtores do Estado. A cifra foi apresentada pelo presidente da entidade, Gedeão Pereira, em debate este ano na Câmara dos Deputados.
Ainda de acordo como estudo, as dívidas dos produtores rurais com vencimento em 2025 somam R$ 27,7 bilhões. Somente na agricultura familiar, são R$ 17 bilhões em dívidas vencendo este ano, diz a Fetag-RS. O efeito em cascata de o produtor não conseguir plantar nem colher está nos demais setores da economia relacionados à renda gerada pelo agro.
— Não é mais um problema só do agricultor, é do nosso Estado. Toda a sociedade vai sentir o reflexo. Todo mundo vai pagar a conta junto — diz Lucas Scheffer, um dos representantes do SOS Agro, que prepara novos protestos dos agricultores para esta sexta-feira (30).
Apesar das sucessivas idas a Brasília e de protestos na Capital e no Interior, as soluções para o endividamento agrícola se arrastam. Presidente da Fetag-RS, Carlos Joel da Silva reclama da morosidade. A prorrogação dos vencimentos das parcelas de custeio e investimentos, por exemplo, era prometida há mais de um mês pelo governo federal.
Três pautas fundamentais vinham nos pedidos encaminhados pela Fetag. A prorrogação das dívidas que estão por vencer, a renegociação dos ivos acumulados nos últimos anos por problemas de clima e a revisão de alterações feitas no Proagro, programa que funciona como um seguro agrícola da agricultura familiar.
A entidade diz que segue buscando alternativas de viabilizar a sanidade financeira dos agricultores. A reportagem de Zero Hora fez contato com o Ministério da Agricultura para um posicionamento sobre os demais pedidos em curso, mas não obteve retorno.
— Precisávamos de uma solução que ao menos fosse imediata. Não vai resolver o problema, mas vai desafogar o produtor — avalia Joel sobre a prorrogação.
Vanessa Dallarosa, produtora de leite e de grãos há 27 anos no município de Entre Ijuís, no Noroeste, está entre as que se endividaram com a atividade. Apesar da necessidade de socorro, reforça a preocupação em honrar as dívidas.
— Queremos pagar dentro das nossas possibilidades. Nas renegociações, os juros são exorbitantes. Sempre tive minhas contas todas regradas. Então, para mim, este momento está sendo muito difícil por não conseguir manter a palavra — lamenta.
O ivo da agricultora soma R$ 500 mil. As dívidas foram contraídas nos últimos dois anos, por um somatório de fatores que incluem problemas de saúde nas vacas e perdas com a estiagem. Na colheita deste ano, a produtividade não ou de 10 sacas por hectare na lavoura, uma média muito abaixo de safras anteriores.
— Precisamos urgentemente de ajuda. Não posso fazer chover, não posso fazer parar de chover. Não temos como controlar o clima. Mas a gente quer pagar, não estamos nos negando — diz Vanessa.
O receio do setor é de que o endividamento comprometa a permanência na atividade.
Já pensei em vender tudo e fazer outra coisa. Mas a cultura está no sangue da gente. A gente ama, se dedica, não sabe fazer outra coisa.
VANESSA DALLAROSA
Produtora de leite e grãos
Em meio às tratativas quanto ao endividamento, alguns acenos positivos vêm do Congresso Nacional. A Comissão de Agricultura do Senado Federal aprovou, na semana ada, um Projeto de Lei (PL) de autoria do senador Luis Carlos Heinze sobre o tema. O PL propõe a conversão das dívidas dos agricultores em títulos lastreados pelo Tesouro Nacional, com limite total de até R$ 60 bilhões.
A tramitação diz respeito ao projeto de securitização, que também esbarra na capacidade de recursos do Tesouro. A medida inclui operações de custeio, investimento e comercialização contratadas até 30 de junho de 2025. Cada produtor poderia renegociar até R$ 5 milhões, com carência de três anos e prazo de pagamento de até 20 anos.
A proposta seguiu para análise da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. No entanto, também é vista como inviável pelo governo federal. À colunista Gisele Loeblein, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, disse que as propostas podem comprometer o próximo Plano Safra, que será lançado em julho.
Outra opção sugerida pelos grupos e entidades que participam das discussões é a ideia de se buscar recursos do Fundo Social do pré-sal para aliviar as dívidas dos agricultores. A modalidade atingiria os produtores de forma mais abrangente, e não somente os que contraíram financiamentos a partir do Plano Safra. O pedido também segue em análise.