
No mesmo dia em que a CBF elegerá Samir Xaud por aclamação, neste domingo (25), a Federação Mato-grossense de Futebol (FMF) ficará sem presidente. Com a eleição suspensa pela Justiça, a entidade do Centro-Oeste é apenas uma das mais de 10 federações estaduais do Brasil que têm seus pleitos marcados por imes jurídicos, denúncias ou pela perpetuação de um mesmo dirigente ou uma mesma família no poder.
Desta forma, o domingo marca o último dia de mandato do presidente Aron Dresch à frente da FMF. A eleição, marcada inicialmente para o dia 10 deste mês, foi suspensa na Justiça por conta de uma liminar, após a oposição denunciar irregularidades no processo.
"Documento em branco"
— Um ano antes da eleição, a federação ofereceu aos clubes uma ajuda de R$ 20 mil. Mas, para receber o valor, eles precisaram um documento em branco. Aí o presidente apresentou este documento como se fosse a lista de apoios à candidatura dele. Só que eles cometeram o erro de datar todas elas com a mesma caligrafia. É uma fraude escandalosa. Os clubes já cansaram desta situação, mas eles são extremamente perseguidos, humilhados e chantageados para poder votar em quem está lá. Questionamos isso, e a Justiça suspendeu o processo eleitoral. A partir de segunda-feira (26), devemos ter uma intervenção da CBF na federação — explica o candidato de oposição, João Dorileo Leal, presidente da SAF do Mixto Esporte Clube.
Os clubes já cansaram desta situação, mas eles são extremamente perseguidos, humilhados e chantageados para poder votar em quem está lá
JOÃO DORILEO LEAL
Candidato de oposição na eleição da Federação Mato-grossense de Futebol
Contraponto
Procurado por Zero Hora, Aron Dresch não retornou os pedidos de entrevista.
Mato Grosso do Sul
Já no Mato Grosso do Sul, o presidente do Coxim Atlético Clube, Antônio Francisco Carvalho Júnior, alega que foi destituído do cargo de forma irregular às vésperas da eleição porque votaria em um candidato de oposição a Estêvão Petrallás, eleito em abril presidente da Federação de Futebol do Mato Grosso do Sul (FFMS).
– Eu era o presidente do Coxim e iria votar no (candidato de oposição, André) Baird. Mas, no dia da eleição, o advogado da federação me ligou e falou que eu não poderia votar. Outro presidente foi lá e votou no meu lugar. Tudo porque um vereador da cidade convocou uma eleição à parte, e nesta eleição eles elegeram outro presidente sem me avisar. Eles registraram a ata da eleição em cartório, enviaram para a federação e ela aceitou. Aí esse cara (o novo presidente), que é de São Paulo, foi lá e votou no meu lugar — protesta Carvalho Júnior.
Mudou a comissão de frente na CBF, mas os caciques continuam os mesmos.
"Irregularidades"
Um dos cinco candidatos de oposição derrotados por Petrállas, o ex-presidente do Clube Esportivo Nova Esperança (CENE), Paulo Telles, afirma que apresentou uma queixa-crime ao Ministério Público do Mato Grosso do Sul (MP-MS) por conta de irregularidades no processo eleitoral.
— Houve uma série de denúncias de compra de votos e coação — afirma.
Contraponto
Procurado por telefone e por mensagens de texto, o presidente da FFMS, Estevão Petrallás, não retornou os pedidos de entrevista.
Acre
Logo depois de completar 41 anos no comando da Federação de Futebol do Acre (FFAC), o histórico presidente Antônio Aquino Lopes morreu em abril, aos 78 anos, de insuficiência respiratória. Dias depois, o cargo foi assumido pelo vice Adem Araújo. Porém, o novo mandatário tem a posse questionada na Justiça Esportiva local.
Segundo o presidente do Rio Branco Football Club, Valdemar Neto, o dirigente não poderia assumir o cargo por ser proprietário de um clube de futebol.
— Não pode o mesmo cara ser dono de um clube e presidente da federação ao mesmo tempo. Isso é vedado pelo estatuto. Por isso, a gente entrou com uma ação no TJD (Tribunal de Justiça Desportiva) — protesta Valdemar Neto.
Contraponto
Para Zero Hora, o presidente Adem Araújo afirma que não há impedimento legal para assumir a federação.
— Eu realmente sou um dos sócios do Santa Cruz, que é a primeira SAF do Acre, mas o estatuto me dá todo o direito de presidir a Federação, pois eu não presido o Santa Cruz e nem faço parte do Conselho. Estamos dentro da lei — afirma.
Acusações
Valdemar Neto reclama ainda que Araújo teria utilizado a sua empresa para "comprar" o apoio dos clubes menores através de patrocínios.
— Adem Araújo é dono de uma rede de supermercados e patrocina os times pequenos. Então, acaba tendo todos eles na mão. Ficam todos comendo na mão dele, amarrados — denuncia o oposicionista.
Contraponto
O presidente se defende:
— Nós patrocinamos clubes desde 1999. A gente faz o possível para dar uma condição de modo que os clubes não fechem as portas. O Rio Branco foi a vida inteira um grande beneficiado dos nossos patrocínios. Mas, a partir do momento em que ele (Valdemar Neto) assumiu, não tendo credibilidade e nem a nossa confiança, nós retiramos o patrocínio. É aí onde começa a dor do presidente do Rio Branco. Então, tudo tem uma explicação. Mas 99% de quem acompanha o esporte aqui no Acre nos aprova — afirma o dirigente.
Paraíba
Já na Federação Paraíba de Futebol (FPF), as duas últimas eleições da presidente Michele Ramalho, indicada para ser vice-presidente da CBF na nova gestão liderada por Samir Xaud, foram marcadas por controvérsias.
Em 2018, a mandatária venceu por 26 a 24 votos o candidato Eduardo Araújo, morto em 2020, de covid-19. Já em 2022, a dirigente foi aclamada presidente, uma vez que o oposicionista Arlan Rodrigues, ex-dirigente do Atlético de Cajazeiras, não conseguiu os apoios necessários para inscrever a sua chapa.
— Aconteceram inúmeras irregularidades nessas eleições, inclusive "patrocinadas" pela CBF, que enviou um interventor com ordens expressas de elegê-la. Às vésperas da eleição, houve falsificação de documentos e de s e habilitações irregulares de clubes — reclama Rodrigues.
Regularidade
Segundo a diretora-jurídica da FPF, Raquel Oliveira, os pleitos tiveram a regularidade reconhecida pela Justiça.
— Em 2018, a chapa derrotada tentou invalidar a eleição sem apresentar provas, com base apenas em uma reportagem. A Justiça rejeitou o pedido por entender que não havia nenhuma das irregularidades apontadas. Em 2022, houve um questionamento quanto à formalidade do edital. A Justiça determinou apenas que fosse republicado o edital com as correções, o que foi feito e encerrou-se a ação — declarou a advogada.
Amazonas
Já a Federação Amazonense de Futebol (FAF) também viveu momentos de turbulência quando, em 2022, após mais de 30 anos no poder, o presidente Dissica Valerio Tomaz afastou-se do cargo por problemas de saúde. Vice-presidente à época, Pedro Augusto Oliveira da Silva reclama que o opositor Ednailson Rozenha, hoje um dos novos vices da CBF, convocou uma assembleia eleitoral por conta própria, sem o aval da entidade, e se elegeu, na sua opinião, de forma irregular.
— A competência de convocar eleições era exclusiva do presidente em exercício da federação, que era eu. Porém, Ednailson uniu-se com representantes de ligas de futebol do interior e convocou uma assembleia eleitoral à revelia da federação. Como as ligas já estavam fechadas com o Ednailson, eu não consegui o apoio de nenhuma delas e, pelo estatuto, sequer consegui registrar uma chapa. Havia ligas e clubes com CNPJ inativos ou suspensos que acabaram votando no Ednailson. Acionamos o TJD, mas, apesar da farta documentação que tínhamos, o TJD reconheceu a regularidade do processo — relata Pedro Augusto.
Contraponto
Em nota enviada a Zero Hora através da assessoria da FAF, o presidente Ednailson Rozenha nega que a assembleia eleitoral que o elegeu tenha sido à revelia da entidade e sustenta que Pedro Augusto não tinha legitimidade para assumir interinamente a presidência e no lugar de Dissica.
"O presidente Dissica nunca se afastou formalmente ou oficialmente. A condução do dia a dia da federação pelo vice-presidente foi sempre informal. Inclusive, na CBF, ele não tinha poderes para resolver questões ligadas à federação. Logo, se o titular nunca se afastou, qual legitimidade tinha o vice? E isso foi ratificado pela Justiça. E a assembleia não foi à revelia. Qualquer um poderia participar. Ele (Pedro Augusto) só não participou porque tinha zero apoio de clubes e ligas", afirmou o dirigente.
Rondônia
Em Rondônia, o presidente da federação local, Heitor Costa, está no comando há 36 anos. Sem poder se reeleger para mais um mandato, em função da lei do Profut, sancionada em 2016, o mandatário lançou a candidatura do vice-presidente Alexandre Casagrande, que foi eleito em 2023 por aclamação para liderar a Federação de Futebol do Estado de Rondônia (FFER), ainda que o seu mandato tenha início apenas em 2026. O pleito também foi marcado por controvérsias, em virtude de uma ação judicial movida pelo Real Ariquemes, do interior rondoniense, que solicitou a anulação do pleito e a convocação de novas eleições.
– Ele (Heitor Costa) antecipou a eleição do dia para a noite e divulgou o edital em uma mídia impressa de zero alcance para que não houvesse candidatos de oposição. Ele fez tudo isso, no jargão popular, "na calada da noite", para que houvesse apenas uma chapa, apoiada por ele. Não tendo tempo hábil para outra chapa concorrer, virou quase uma eleição secreta — relata o jornalista Sandeimar Medeiros, da Rádio Capital FM, de Porto Velho-RO.
Procurado por Zero Hora, o presidente Heitor Costa disse que o pleito que elegeu Casagrande teve a sua legalidade reconhecida pela Justiça.
— As acusações fora consideradas infundadas. As alegações sobre a eleição da futura diretoria foram todas analisadas pela Justiça e julgadas totalmente improcedentes — afirmou o dirigente.
A força das ligas amadoras
Outra situação que se repete em diversos Estados é a disputa pelos votos das ligas amadoras municipais, que muitas vezes têm papel mais decisivo nas eleições do que os clubes profissionais das principais divisões de cada estado. Afinal, o estatuto de quase todas as entidades exige um apoio mínimo dessas ligas para que uma chapa seja homologada.
— Se todas as ligas votarem, os clubes têm menos votos do que as ligas. Aqui em Belém, essas ligas sempre serviram só para votar. Na última eleição, tinha liga com CNPJ inativo que estava apta a votar — denuncia o ex-presidente do Paysandu, Luiz Omar Pinheiro, que já se lançou como pré-candidato para a próxima eleição à presidência da Federação Paraense de Futebol (FPF).
A última eleição na entidade ocorreu em 2022 e teve como vitorioso Ricardo Gluck Paul, que também assumirá no domingo (25) como um dos novos vice-presidentes da CBF. O candidato derrotado Paulo Romano, alega que as ligas foram determinantes para o resultado do pleito.
— Foi a eleição mais conturbada da história do futebol paraense. O antigo presidente, Adelson Torres, convocou um colégio eleitoral totalmente equivocado, com várias ligas municipais em situação irregular e que não deveriam ter direito a voto. O Adelson, por sua vez, desistiu de concorrer, pois não poderia se reeleger para mais um mandato, em função da lei. Aí o Ricardo Gluck Paul se aliou ao presidente da Associação das Ligas Esportivas do Estado Pará, Ricardo Oliveira, que hoje virou vice-presidente da federação, e ganhou força com as ligas. O Ricardo ganhou a eleição justamente por conta dessas entidades irregulares. Entramos na Justiça, e ele é presidente por conta de uma liminar. Até hoje o processo está engavetado — denuncia Romano.
Já o presidente Ricardo Gluck Paul afirma que não teria poder para definir o colégio eleitoral, pois era um candidato de oposição. O dirigente alega que, na realidade, foi a situação que tentou tirar o direito à voto das ligas que lhe apoiavam.
— Existia no Pará um grupo que comandava a federação há mais de 40 anos. Comecei a exercer um senso crítico e decidi me candidatar. Fiz minha campanha, conversei com clubes e ligas e conquistei a confiança deles. Quando inscrevi a minha chapa, tinha aproximadamente 75% do colégio eleitoral me apoiando. Qual foi a estratégia deles? Como tinham a comissão eleitoral na mão, criaram uma situação para tirar a legitimidade das ligas que me apoiavam. Por conhecerem os nossos apoiadores, aram a tirá-los do colégio eleitoral. A situação foi essa, mas não é fácil tirar um grupo que está lá há tanto tempo — defende-se Gluck Paul.
Paraná
No Paraná, após 16 anos no poder da federação local, o presidente Hélio Cury apoiou em 2023 a candidatura do filho, Hélio Cury Filho. Na ocasião, o ex-jogador Ribamar José Dênis, com agens por Coritiba, Corinthians, Palmeiras e Santos, tentou lançar uma chapa de oposição, mas não conseguiu apoios de ligas e clubes amadores.
— Para você ser candidato, eles colocam muitos empecilhos. Eles te obrigam a ter um número específico de clubes que te apoiam. E era muito difícil conseguir o voto dos clubes e ligas amadores. Os amadores votam muito aqui. Clubes profissionais e amadores têm o mesmo voto, mas há mais ligas e clubes amadores do que profissionais. Então, não consegui — lamenta Ribamar.
Pernambuco
A mesma dificuldade teve o ex-presidente do Santa Cruz, do Recife, Alexandre Mirinda, que tentou lançar uma candidatura de oposição à presidência da Federação Pernambucana de Futebol (FPF), que é comandada há 14 anos por Evandro Carvalho.
— Montamos uma chapa com ninguém menos do que o tetracampeão Ricardo Rocha como vice-presidente, mas ela não foi homologada pela Comissão Eleitoral. Esse cenário se repete na maioria das federações — protesta.
"É um verdadeiro cartel"
Estevão Petrallás, Adem Araújo, Heitor Costa, Michele Ramalho, Ednailson Rozenha, Ricardo Gluck Paul, Hélio Cury e Evandro Carvalho são alguns dos 25 presidentes de federação que subscreveram a chapa de Samir Xaud à presidência da CBF, o que, devido ao estatuto, inviabilizou o surgimento de qualquer candidatura de oposição.
— Isso é um verdadeiro cartel, onde nem o próprio Ronaldo Nazário consegue registrar uma chapa na CBF — denuncia Mirinda.